Imagens da Cidade / Images of the City

Pesquisa em torno da/research about "Lisboa, Cidade Triste e Alegre" (1956-59) de/from Victor Palla e/and Costa Martins

Wednesday, May 25, 2005

[COMUNICAÇÃO APRESENTADA NO CURSO TEÓRICO DO CAM]

A construção fotográfica da Imagem da Cidade a partir da “Lisboa, cidade triste e alegre” de Victor Palla e Costa Martins, por Lúcia Marques

Comecemos por caracterizar o nosso estudo de caso, sinalizando as principais referências tutelares assumidas pelos próprios autores e outras filiações de ordem conjuntural e num contexto internacional.


(…) Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida…
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui… (…)
Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo.


Álvaro de Campos, "Lisbon Revisited (1926)"

Eis o excerto do poema que abre o projecto fotográfico publicado em 1959. Trinta anos depois do poema de Fernando Pessoa, a dupla de arquitectos-fotógrafos Victor Palla (1922) e Costa Martins (1922-1996) começa a sua deambulação pela cidade de Lisboa, fotografando dia e noite, durante cerca de três anos, os diferentes quotidianos dos seus habitantes e transeuntes, procurando um registo pessoal e comprometido dos seus espaços, cartografando pela luz uma urbanidade mais realista que pitoresca. Seriam os primeiros honorários da produção arquitectónica inicial de Palla e Martins que financiariam este mapeamento afectivo da cidade, tomando como mote um dos versos da Lisboa revisitada pelo heterónimo pessoano Álvaro de Campos, glosando uma Lisboa, Cidade Triste e Alegre em imagens de grande cumplicidade com os seus actores, realçadas por um envolvimento autobiográfico assumido em cada imagem.

Filho de um fotógrafo amador, Victor Palla (e Carmo) nasceu em Lisboa em 1922 e desde cedo que se iniciara na fotografia para ajudar o pai. Concluído o curso de arquitectura em meados dos anos 40, após frequência da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa e de uma breve incursão na do Porto, acaba por se fixar por alguns anos nesta última cidade, onde dirige a Galeria Portugália a partir de 1944. Foi, aliás, um dos principais organizadores das “Exposições Independentes”. Mas foi nas “Exposições Gerais de Artes Plásticas”, que mostrou pela primeira vez as suas provas, entre 1946 e 1956, altura em que a inovadora abertura à fotografia no certame é suspensa.

Entretanto, Palla tirara em Londres o “Publishing and Book Production Course” (Curso de Publicação e Produção de Livros) no Arts Council of England, em 1952. Mas é a partir de 1956 que se dedica de um modo mais sistemático, com Costa Martins, ao projecto fotográfico em torno de Lisboa. Aliás, o projecto integraria imagens ainda de finais dos Anos 40, que ambos os autores haviam feito separadamente sobre Lisboa e cuja coincidência de olhares viria precisamente a motivar o projecto abraçado por ambos em 1956.

Em 1979, Palla obteria uma Bolsa da Gulbenkian para estudar e fotografar “O Grafismo na Cidade”, concentrando-se, cerca de 20 anos depois, na dinâmica da paginação amplamente explorada no projecto colectivo com Costa Martins.

(Manuel) Costa Martins, também nascido em Lisboa em 1922, mas falecido em 1996, frequentara também o ensino superior das Belas-Artes em Lisboa e no Porto, e concluiria o curso de arquitectura só em 1948. Tornar-se-á logo depois funcionário público, nomeadamente na função de Arquitecto-projectista para o Ministério das Obras Públicas, paralelamente a uma dedicação mais sistemática, a partir de 1956, ao projecto fotográfico sobre Lisboa, que entretanto iniciara com o seu colega e amigo Victor Palla.

Num país onde a fotografia se aninhava em regulamentos ditados pelos concursos dos Salões, e se hegemonizava através das actividades promovidas pelo Grupo Câmara, pelo Fotoclube 6x6 e pela Associação Fotográfica do Porto, a presença dos arquitectos Francisco Keil do Amaral e Victor Palla - que foi também um dos organizadores das "Exposições Gerais" -, com fotografias, na VIII Exposição Geral de Artes Plásticas (SNBA, 1954), reflectira um alargamento fatidicamente pontual à fotografia, que logo terminaria na sua décima edição (1956), coincidindo com o arranque do projecto da Palla/Martins em torno da capital lisboeta.

A exposição, Lisboa/Porto (1958)

É em 1958 que estas imagens se dão a conhecer numa primeira selecção de Palla/Martins, exibindo-se numa montagem surpreendente de tão arrojada no seu desenho no espaço, quer na Galeria Diário de Notícias, em Lisboa, quer ainda na Divulgação, no Porto (actual Livraria Leitura), também no mesmo ano. Dispostas em sequência e perspectiva claramente referenciadas no cinema italiano de Fellini, Rosselini, até mesmo de Antonioni, estas fotografias propunham um percurso imagético que negava a visão globalizante do plano e exponenciava a natureza subjectiva do fragmento, do editing. Era uma outra cidade aquela que então se mostrava, a cidade habitada, em renovado crescimento arquitectónico e humano, sintomaticamente com particular atenção às mulheres e às crianças. As ousadias experimentais de Palla/Martins na devolução de um retrato desfocado, recortado, disruptivo, da capital tiveram, no entanto, um reduzido impacto nos seus contemporâneos, passando praticamente despercebidas no provinciano contexto português dos anos 50 (recordem-se dos "Verdes Anos" que Paulo Rocha viria a reflectir de modo tão inesquecível e pertinente pouco tempo depois da publicação do livro).

O livro (1959)

A continuação desse empreendimento fotográfico, socialmente empenhado e revelador da expectativa de abertura democrática e de combate à arquitectura do "regime" através do modelo internacional, resultaria depois na publicação do livro homónimo, que prossegue e radicaliza o ensaísmo gráfico, fotográfico e cinematográfico das duas exposições de 1958, incluindo também imagens captadas depois da realização dessas mostras. De um total de cerca de seis mil clichés, os seus autores escolheram trabalhar cerca de duzentos, paginando-os em profícua relação com excertos de poesia da autoria de Fernando Pessoa (et Álvaro de Campos, Ricardo Reis), António Botto, Almada Negreiros, Camilo Pessanha, Mário de Sá-Carneiro, Alberto de Serpa, Cesário Verde, Gil Vicente, e inéditos de Eugénio de Andrade, David Mourão-Ferreira, Alexandre O'Neill, Jorge de Sena, entre outros nomes da cena literária portuguesa de então, com destaque ainda para o texto de abertura de José Rodrigues Miguéis. Nos materiais de apoio do curso foi distribuída a transcrição integral dos 32 trechos literários do Livro, dos quais 9 são poemas inéditos.

Apenas José Borrêgo dedicou especial atenção à edição do livro, que mereceu uma crítica extensa e positiva na revista cinéfila "Imagem", em 1960.

O livro foi editado em 7 fascículos mensais, de modo a possibilitar o financiamento dos seus custos através do sistema de assinatura, e assim tornar também mais acessível ao leitor a aquisição da publicação, sendo esta, aliás, uma estratégia editorial bastante comum na época. Na “Advertência” que acompanhou o 1.º fascículo do álbum Costa Martins e Victor Palla comentam esta opção dando-lhe a seguinte justificação:

“…foi sobretudo a vantagem da maior acessibilidade da obra (ao leitor e aos autores-editores) que nos levou a reduzi-la a tomos parciais. Em boa verdade, cremos que, por muito interesse que possa ter esta bizarra experiência de desvendar mensalmente e passo a passo, as excelências ou defeitos dum livro estudado como um todo, experiência a que a edição em fascículos nos habituou e obriga, ela tem pelo menos a importuna contrariedade de apresentar o pormenor antes do conjunto, de enevoar as razões do plano e, parafraseando uma citação famosa, permitir ver que, por causa das árvores, o leitor não veja a floresta. Afortunadamente, sete fascículos depressa passam. Que se perdoe este processo de publicar um livro a um livro que sem este processo não teria sido publicado.”

Aliás, os escritos do cunho dos próprios autores acerca do álbum constituem as fontes mais preciosas para o seu entendimento, como se pode verificar no suplemento técnico intitulado “Índice” que fecha o livro com comentários à paginação.

O Índice do livro Lisboa foi redigido pelos próprios autores e assinado colectivamente, tal como as fotografias que dele fazem parte. É nessa secção do livro que se reproduz em pequena escala e num formato uniforme todas as imagens que foram seleccionadas dos cerca de 6 mil clichés que compunham o corpus inicial do projecto editorial. E a acompanhar cada par dessas reproduções, mostrando-se duas páginas do livro aberto em cada imagem, encontramos então os comentários ecléticos e empenhados de Victor Palla e de Costa Martins.

As suas notas à margem versam sobre os mais variados aspectos das fotografias para as quais remetem: desde pormenores técnicos de execução (qual a máquina utilizada, com que lente e filme, etc), ao local onde a fotografia foi tirada (de um Largo de Alfama ao Chiado, sempre na zona ribeirinha de Lisboa), até às suas reflexões pessoais e bastante informadas, sobre “o interesse humano” de uma “boa fotografia”, as propostas estéticas e éticas de outros fotógrafos (sobretudo fotógrafos Americanos, conhecidos através da revista Life) e, principalmente, referenciados nos escritos e ditos de alguns dos mais reputados cineastas, tanto Americanos quanto Europeus (com os quais se familiarizaram via movimento cineclubista).

Daí que o elencar dessas referências mais significativas clarifique o empenho e entusiasmo da dupla Palla-Martins na criação de uma edição, tratando-se neste caso da edição de um livro de fotografias extremamente cuidado em todos os seus pormenores. Essa listagem de algum modo “tutelar” também torna mais explícita a amplitude internacional em que o livro se inscreve, seja pelas influências que assume e assimila, seja ainda pelas propostas inovadoras com que avança enquanto produto editorial. Aliás, o livro foi antecedido, inclusive, por uma pré-apresentação em formato expositivo, revelando-se nas suas diferentes componentes como uma espécie de ensaio fotográfico aplicado.

E em última instância, podemos mesmo considerá-lo um ensaio fotográfico a partir de uma ideia subjectiva de Cidade, uma cidade vista a partir do seu interior, dos seus habitantes, e, neste caso, não apenas naturais da própria cidade mas também arquitectos por formação e ofício.

Lembramos que o projecto viria a incluir também outras autorias através da articulação das imagens fotográficas com excertos literários de António Botto, Álvaro de Campos, Orlando da Costa, Sebastião da Gama, Sidónio Muralha, Almada Negreiros, Camilo Pessanha, Fernando Pessoa, Ricardo Reis, Mário de Sá-Carneiro, D. Sancho I, Alberto de Serpa, Cesário Verde, Gil Vicente; e poemas inéditos de Eugénio de Andrade, José Gomes Ferreira, David Mourão-Ferreira, Alexandre O’Neill, Armindo Rodrigues e Jorge de Sena, para além do texto introdutório de José Rodrigues Miguéis.

Então que Lisboa é essa que se dá a ver pelas imagens da poesia e da fotografia? Para enquadrar devidamente as motivações e escolhas desta visão humanizada da cidade partimos das remissões mais significativas do Índice de Lisboa. Nos materiais de apoio ao curso encontram precisamente uma selecção dessas remissões, a saber:

1. os escritos “de Penn a Wayne Miller” (relativos à Página 1);

De Penn a Wayne Miller, uma antologia dos escritos dos grandes fotógrafos de hoje seria na verdade, além dum grande livro, um livro muito grande. À sombra de tantos grandes bem se pode desculpar neste passeio ao longo de Lisboa o nosso tagarelar, que não é mais do que o “shop-talk” de quem mostra provas a um colega. Pois a quem mais senão a um fotógrafo poderia interessar, por exemplo, que esta fotografia tivesse sido feita pela tardinha, no verão, com uma Leica equipada com Elmar 50 mm e filme Tri X, a 1/30 f. 4.5?

2. “O povo, as pessoas”, como principal estímulo do projecto, alinhando com a posição de Richard Avedon (relativos à Página 4 e às Páginas 60 e 61);

Como Richard Avedon, poderíamos dizer que o que sempre nos estimulou “foi o povo, as pessoas, nunca — ou quase nunca — as ideias”. A técnica não é senão o instrumento; e por vezes apetece concluir, como Avedon, que “a máquina é quase sempre um estorvo. Se eu pudesse fazer o que quero com os olhos apenas, seria feliz”.
[…]
Por esta altura já deve ter-se tornado claro que este livro não quis retratar acontecimentos espectaculares ou sensacionais — mas antes o espírito do ordinário, do quotidiano, das pessoas a serem elas próprias (e não transtornadas pelo excepcional) movendo-se dentro dum ambiente familiar, conhecido.


3. A demarcação da ortodoxia do “momento decisivo” de Cartier-Bresson face ao “cropping” (relativos às Páginas 16 e 19);

Retratos de crianças de vários bairros de Lisboa. Factor importante deste conjunto: o corte. Os negativos originais dariam numerosos rectângulos diferentes. Pese a Cartier Bresson (que não só considera sempre definitivos os seus 24x36mm, como ameaça processar o editor de revista que lhos enquadrar diversamente), persistimos em encarar como um dos elementos fundamentais do labor fotográfico o “cropping”, arma que manejada imprudentemente pode não passar de simples artimanha, mas que nem por isso deixa de ser um direito verdadeiro e fecundo do fotógrafo.

4. O equipamento mínimo do fotógrafo (referido a propósito da Página 22);


Tentámos reduzir o nosso equipamento ao mínimo. Tripés, estojos, correias, são outros tantos obstáculos à mobilidade e (o que é mais grave) à naturalidade e “invisibilidade”do fotógrafo. A máquina nua na mão, as restantes objectivas nas algibeiras (até a tele!); tudo o mais se aprende a dispensar. Os amadores mais evoluídos escandalizar-se-ão talvez se aqui dissermos que ganhámos um despreso considerável pelos filtros e que só em casos especialíssimos e muito deliberados os usámos. Ao fim de milhares de exposições, também o fotómetro perde decididamente importância — quando muito, uma única leitura inicial dá o Lá, para toda a tarde ou manhã, das afinações eventuais que os assuntos e as variações luminosas exigirem.

5. A sintonia com o alerta de Cornell Capa face à “desumanização” do fotógrafo (comentário relativo à Página 33);

Cornell Capa disse: “Há um problema importante: deve o fotógrafo sofrer, dado que o seu trabalho é antes de mais nada observar? Observar continuamente e nunca participar é deixar de ser humano.” Os autores deste livro, que trabalham em Portugal e não são repórteres profissionais norte-americanos, julgam encontrar nesse facto antidoto suficiente contra essa desumanização que Capa receava e que é afinal o mal de toda a especialização desenfreada. Há além desse remédio caseiro, um outro muito importante, que se acrescenta ao respeito pela pessoa humana de que falávamos há pouco: a ternura, a ternura pura e simples.
6. Defesa do profissional “amador”, tal como proclamada por Eisenstaedt (ainda relativo à Página 33);

Mas a melhor solução para este problema — humanização da tarefa de utilizar sistemàticamente um instrumento mecânico como o fotográfico — talvez possa ser a de Eisenstaedt: “Todo o profissional deveria permanecer, no fundo do coração, um eterno amador”.

7. Referência a Lhote, numa articulação da fotografia com a pintura (no comentário à Página 37;

[…] aqui temos outra vez muita coisa de pintura: a organização plástica, com um “quadro” dentro doutro quadro; as “passagens” do claro-escuro de que fala Lhote; […].

8. Sintonia conjuntural com “um cinema a que os italianos deram a expressão mais completa” (Páginas 40 e 41);

Nenhum intuito imitativo aqui tampouco, ou influência sofrida conscientemente. Mas todos os que vêem estas fotografias (mais sublinhadamente a da direita) nos apontam a semelhança do seu clima e atributos físicos com os dum cinema a que os italianos deram a expressão mais completa. Não nos parece que dessa semelhança de resultados venha algum dano; ela é natural, dados os parentescos circunstanciais; além disso, estamos em crer que só pode haver vantagens na inter-influência das artes do nosso tempo, que têm muito que aprender umas com as outras.

9. Contraproposta ao “esteticismo de Salon”, mediante actualização de referências internacionais (Páginas 56 a 59);

Indispensável se torna nestes comentários abordar o problema da composição do livro. — Temos insistido em que o ofício de fotógrafo se deve afastar muito do obter “bonitas” provas isoladas, pequenos quadros de cavalete auto-suficientes e válidos por si. Hoje tudo tende a separá-lo desse esteticismo de “salon”: o novo idioma da reportagem fotográfica, as grandes revistas ilustradas, os livros documentais ou de “picture-stories”. E o simples facto de uma fotografia se destinar a ser incluída num conjunto, gravada, impressa, vista por milhares de leitores, tem por força de originar características especiais, determinar uma estética, talvez até toda uma filosofia.

10. Dimensão experimental e processual do projecto fotográfico, nomeadamente na planificação de um segundo volume do livro (também relativos às Páginas 56 a 59, 62-63-64, 127 a 136)– e que se pôde vislumbrar apenas em 1982, com o cartaz-exposição “Lisboa e Tejo e tudo” na Galeria Ether, que incluiu imagens não publicadas no primeiro volume, bem como desenhos preparatórios do respectivo arranjo gráfico; a que o catálogo publicado em 1989 pela Fundação de Serralves, precisamente por altura de nova remontagem da exposição, também deu destaque.

O negativo é cada vez mais um passo intermédio. O que conta é o conjunto final; o ampliador torna-se tão importante como a câmara, o cilindro do gravador torna-se tão importante como o ampliador. E o campo de experimentação, que já era considerável, alarga-se. Talvez agora mais legitimamente ainda, porque se apoia em meios de larga comunicação e saiu das narcisistas e quase sempre estéreis aventuras do quarto escuro — solarizações, baixos relevos, reticulações — pequenas crises de adolescência que não há que evitar, mas que o fotógrafo maduro ultrapassa ràpidamente. Não fugimos ao experimental, neste livro: e não presumimos sair airosos de todos os ensaios. Mas as nossas experiências são de ordem menos oficinal. Baseiam-se quase todas na razão funcional de que considerar cada uma das nossas provas isoladamente seria quase tão grave (quase, entenda-se) como analisar um a um os pequenos rectângulos da película duma fita de cinema, ou como ler um único verso dum soneto. Do fluxo do livro, do decorrer do seu tema, derivaram experiências de escolha, de ritmos, de cortes e enquadramentos, de repetições e “rimas”, de cores e valores. E assim rejeitámos muitas fotografias que a priori consideráramos as melhores, e voltámos a chamar muitas das que rejeitáramos. E cortámos, invertemos, aclarámos, ampliámos e reduzimos ao sabor do que o livro — os poemas — a fotografia anterior ou seguinte — os formatos das páginas — mandavam. Procure-se neste arrazoado a justificação do arranjo destas.
[…]
Das 6.000 fotografias que fizemos para montar este livro — e das que estamos a fazer para um outro — nem uns cinco por cento cairam do céu aos trambulhões, pelos tais acasos felizes entremeados no dia a dia.
[…]
O leitor admirar-se-á talvez de ver citar várias máquinas fotográficas num trabalho como este, que a sistematização por certo simplificaria. E tem alguma razão. Em rigor, deveria ser possível executar este livro a partir apenas de negativos de 35mm, por exemplo. Acontece, porém, que este trabalho vem de há muitos anos. E não achámos justo não incluir determinadas provas que cabiam no conjunto mas tinham sido obtidas com aparelhos variados, anos atrás. Por outro lado, foi também ao fim de alguns ensaios que chegámos a conclusões definitivas quanto ao material mais adequado.


11. Semelhança da metodologia adoptada pelos autores à do cineasta Robert Flaherty e à “disciplina do cientista” segundo David Riesman (Páginas 68 e 69);

O nosso método foi inconscientemente muito semelhante ao de Robert Flaherty, que coligia material para cada um dos seus filmes sem grandes pré-concepções, e que, ao contrário do cineasta vulgar, que pensa primeiro e filma depois, “filmava primeiro e depois pensava”. Essa espécie de abandono, em que a personalidade do artista se rende àquilo que é maior do que ele, para que isso que é maior possa ser trazido para a luz, essa espécie de abandono é, segundo David Riesman (que lhe chama “render-se ao material” e “render-se à ferramenta”), a disciplina do cientista, a sua humildade, a sua busca de verdade. Era com o material que colhia dia a dia que Flaherty construia finalmente os seus filmes. A montagem torna-se assim como que o substituto duma pré-planificação.

12. Afinidade com o conceito de “montagem” de Fellini (também relativo às Páginas 68 e 69);

Fellini (que diz, de resto: “para mim, neo-realismo é uma maneira de ver a realidade sem preconceitos, sem a interferência de convenções — parar pura e simplesmente em frente da realidade sem ideias preconcebidas.”), pensa de maneira muito semelhante. E o que ele diz sobre a montagem pode aplicar-se a este livro, e acrescentar-se ao nosso comentário das páginas 57 e 58: “A montagem é um dos aspectos mais emocionantes de fazer filmes. Nada há mais excitante do que ver uma fita começar a respirar; é como vermos crescer um filho nosso. O ritmo pode não estar ainda estabelecido, a sequência inteiramente definida. Mas nunca filmo uma segunda vez. Acredito que uma boa fita tem de ter defeitos. Tem de ter erros como a vida, como as pessoas. […] Uma mulher bonita só é atraente se não for perfeita. O mais importante é conseguir que o filme se torne uma coisa viva”.

13. Aproximação à posição de Jean Renoir a propósito de cinema (Página 77 / folder zoom movimentos contrários);

Diz Jean Renoir, falando de cinema: “Todos os refinamentos técnicos me desencorajam. Perfeição fotográfica, écrans maiores, alta fidelidade de som, tudo isso torna possível aos medíocres a reprodução servil da natureza; e esse género de reprodução aborrece-me. O que me interessa é a interpretação da vida por um artista. A personalidade do autor interessa-me mais do que a cópia do objecto”.

14. Chamada de atenção para as “inúmeras variações de registo possibilitadas pela reprodução fotográfica e rotográfica”, segundo Cecil Beaton (ainda relativo à página 77):

Disse Cecil Beaton que não compreendia por que razão o fotógrafo não trabalhava em mais estreita colaboração com o gravador.

15. Relação entre a génese do livro Lisboa e a montagem de “A Paixão de Joana d’Arc” por Carl Dreyer (Páginas 75-76);

Quando Carl Dreyer, em Paris, em 1928, acabou a montagem de “A Paixão de Joana d’Arc”, os gerentes da companhia cinematográfica resolveram exibir a cópia final, numa ante-primeira, perante um grupo de setenta a oitenta intelectuais, escolhidos especialmente para o efeito, e imparciais — escritores, sacerdotes, psicólogos, historiadores e directores de revistas de várias especialidades. O fim dessa exibição era descobrir cenas ou sequências capazes de criar dificuldades, levantar atritos ou faltar à verdade histórica, porque havia ainda tempo de fazer alterações antes de passar ao grande público. Para que ao menos no resultado houvesse método, Dreyer propôs que se dividissem os espectadores em vários grupos, e que as opiniões de cada um desses grupos fossem recolhidas e lidas em conjunto. Quando se fez uma longa lista das alterações propostas e cortes reputados indispensáveis, verificou-se que, a cumpri-la, nada restaria da fita. E, conclui Dreyer (que conta esta história em Film, n.1), “os directores da companhia já não podiam ter dúvidas: a fita tinha de ser exibida com a forma que eu lhe dera.” Nós não fizemos o mesmo antes de organizar este livro na sua forma definitiva; mas em duas exposições públicas, em conversas particulares, as opiniões sobre cada fotografia divergiam tanto, que a história de Dreyer recordava constantemente. Durante a composição do livro tivemos de esquecer tudo o que ouvíramos e planear segundo os nossos conceitos e convicções.

16. Crítica à desumanização do grafismo “abstracto” e à “experimentação” essencialmente formal, e reequacionamento do regresso a um “naturalismo mais documental” (Páginas 81 a 86);

Numa época em que um grafismo cada vez mais abstracto desumaniza a comunicação e em que a experimentação incide primordialmente sobre o formal, até mesmo na fotografia (seja esse formal, em dois polos, o dos Salons ou o dos creative methods americanos), apetece por vezes voltar ao naturalismo mais documental.

17. Da ilustração à obra gráfica: interacção entre fotografia e poesia (Páginas 94-95, Páginas 98 e 101 e Páginas 116-117);

O que aproximou estas duas imagens foi o excerto de Armindo Rodrigues. Na construção de um livro como este é impossível manter um processo de trabalho rígido; e se, na maior parte das vezes, a poesia veio ilustrar sequências gráficas existentes, não pouco frequentemente aconteceu dar-se o contrário, e dois ou três versos nos impressionarem a ponto de procurarmos seguir a sua sugestão e escolhermos entre as nossas fotografias as que a concretizassem melhor. Este é um exemplo muito claro desse facto; nalgumas outras páginas já hoje nos é difícil reconstituir o que se passou, e onde, como e por que lado começou a ilustração.
[…]
O leitor, durante estas páginas, deixará de sê-lo no sentido mais restrito do termo. A não ser no interlúdio da árvore de José Gomes Ferreira, a sequência desenvolver-se-á sem palavras. Porque aqui pareceu-nos que cada fotografia (ou, nalguns casos, cada conjunto de fotografias) ganharia em conservar intacto o seu impulso de obra gráfica. Não é um critério apriorístico, mas o resultado da escolha dos elementos e da composição do conjunto.
[…]
Aqui é manifesto à primeira vista o tratar-se duma relação deliberada (e “fabricada”) entre texto e composição. O poema de Mourão-Ferreira era para nós um desafio; quer pelo seu sentido, quer pelo esquema formal, quer pelo “staccato” da sua expressão, não se coadunava com o idioma que estávamos usando no livro. Tudo justificava — exigia — uma nova arquitectura gráfica. Não era necessário colher mais imagens, mas escolher, cortar e dispor elementos existentes, dando corpo a um “divertissement” visual que espelhasse o espírito e a forma do poema. A introdução de objectos reais, com a sua sombra projectada na página, acrescentaria à picante vivacidade pretendida. O que se publica é um de muitos ensaios e tentativas.


18. O papel original da revista Lilliput nas “justaposições” de fotografias (Páginas 104-105);

Foi a velha revista Lilliput que inaugurou na história da fotografia as “justaposições”, a mais elementar maneira de compor conjuntos de fotografias, forma binária que consiste no simples colocar lado a lado de duas cenas que qualquer parentesco (habitualmente formal) une, e cuja aproximação provoca efeitos trágicos ou pícaros. Nesses tempos heróicos e ingénuos a relação era acentuada por uma legenda que a sophistication de hoje consideraria insuportável.

19. O “realismo poético” e a “ironia da realidade” da fotografia, na esteira de Sonthonnax, seguido da “autenticidade” de Doisneau, Izis e Brassai (Páginas 114-115);

Perante estes documentos apetece-nos citar Sonthonnax: “Em toda a escrita simbólica cada sinal exprime duas coisas: o objecto representado e uma ideia abstracta. Toda a reunião de dois ou mais sinais representa uma ideia abstracta. No choque provocado por uma fotografia convenientemente realizada (isto é, tão simples e evidente como um sinal) há o o mesmo processus psicológico. O espectador vê o objecto e outra coisa atrás do objecto que não é parte integrante dele e que, todavia, se impõe pela maneira como nos é mostrada. Isto ultrapassa a noção de “assunto” e nada tem a ver com o “símbolo”. No entanto, sem a fotografia, pela simples visão do objecto, não se produziria isto. Esta ambiguidade pode também ser realizada, pela fotografia no domínio do sentimento. Está, talvez, na origem de efeitos dificilmente concebíveis antes dela: o realismo poético e a ironia da realidade, em particular. Um Doisneau, um Izis, um Brassai, vão mais longe neste género do que tudo o que conseguiram fazer os cineastas que proventura os precederam. Porque sabemos que eles não inventaram e podemos reconhecer, não por meio de comparações aproximadas mas “em carne e osso”, os seres que eles nos mostram. Tais fotógrafos atraiem a nossa atenção sobre uma certa maneira de ser do espectáculo do mundo. Depois deles, já não será possível não ver certas coisas. Autenticidade apenas ilusória? Talvez, mas autenticidade apesar de tudo.”

20. Da cumplicidade do “acaso” com o resultado compositivo: fotografia, poesia e cinema (Páginas 124 e 125, e 126);

A perfeita composição de cada uma destas fotografias, em que tudo está colocado onde é preciso, em que tudo é significativo e nada supérfluo, como se obedecesse a um traçado intencional, vem trazer de novo à baila a repetida questão do acaso na fotografia. Há quem pergunte, com efeito: se o fotógrafo se limita à partida a, por meio do premir dum botão, registar uma cena existente, não é verdade que só o acaso determinará o resultado? As respostas mais imediatas a esta dúvida são óbvias para quem tenha pensado um pouco. Do caos sem forma que é (para o artista) a realidade que nos cerca, a simples atitude selectiva e a escolha consequente são já factores que começam por negar o acaso. O objecto, a cena, têm um número infinito de aspectos; exprimindo-o por um só deles, o fotógrafo termina desse modo a pesquisa das aparências que movimenta o espectador na vida prática. Mas para conseguir essa expressão o fotógrafo tem ainda de dominar numerosos factores que estão no polo oposto do acaso: a escolha de máquina, do filme, de exposição; a revelação e impressão; o corte. E, sobretudo, a escolha do famoso “momento decisivo”, de que já falámos no início, o reconhecimento de que tudo está onde e como deve. O que não é obra do acaso; Cartier Bresson chega a dizer: “O viver requer tempo, as raízes crescem lentamente; por isso, o momento decisivo pode ser o produto final de longa experiência.” Isto arruma uma parte da questão. Mas há mais: aceitemos a parte do acaso, e lembremo-nos do acaso controlado dos cientistas, instrumento de trabalho legítimo e valioso. Além de tudo isto — e aqui é que parece estar o nó do problema — não há arte em que o acaso não tenha um papel fundamental.
[…]
Porque a conclusão é sempre a mesma: o resultado é que conta. Ninguém se lembrará de ir regatear ao poeta a parte que o acaso teve na felicidade das suas rimas, ou ao cineasta tudo o que de acidental tenha acontecido durante a filmagem e ele aproveitado.


21. Posicionamento face a escolas e reportagens de referência: da nova escola naturalista (documental), e da candid camera, a Bert Hardy, passando pela “Aldeia Espanhola” de Eugene Smith e pela “Naked City” de Weegee, numa aproximação do fotógrafo ao realizador de cinema (Página 142);

Desta página em diante só aparecerão fotografias conseguidas de noite, dentro ou fora de casa, mas sempre à luz ambiente, aproveitando as situações sem qualquer espécie de ensaio ou encenação. Se acentuamos estes pontos é porque eles não são tão incontroversos como a nova escola naturalista, documental, parece indicar. É costume, por exemplo, catalogar Eugene Smith, o Smith da “Aldeia Espanhola”, como um especialista do 35mm e da luz ambiente. A realidade é que ele próprio tem uma opinião muito diversa: “…sinto que não pertenço realmente a nenhuma escola de fotografia. O meu equipamento inclue tudo, desde as Leicas às máquinas de estúdio. Usarei flash ou tudo o que necessário for para conseguir determinada fotografia que me interessa […] Quando tal é preciso, rearranjo os elementos duma situação da maneira que julgo mais correspondente à verdade — fotogràficamente falando —; mas não tenho o direito de desviar-me do espírito da verdade. Creio que uma fotografia posada pode frequentemente ser mais honesta na interpretação dos factos do que muitas das chamadas candid. […] Sempre que possível, tento aprender e estudar o assunto antes de começar a fotografar. (A única ocasião em que isto não é praticável é numa situação que exija o disparo imediato, como uma cena de rua). Isto é para mim uma lei categórica. Desse conhecimento prévio extraio um esboço, tal como um dramaturgo, das situações que julgo deverem ser encaradas na construção em profundidade, nos traços de carácter e nas inter-relações. […] Estou sempre dilacerado entre a atitude do jornalista, que é um registador de factos, e o artista, que muitas vezes está necessàriamente em contradição com eles. A minha principal preocupação é a honestidade, principalmente a honestidade para comigo mesmo.” Eis uma profissão de fé muito clara. Mas talvez não tão individual como tudo isso. Sondemos alguns outros dos melhores fotógrafos e encontraremos opiniões semelhantes. O próprio Bert Hardy, que, segundo narra o jornalista que o acompanha, “mergulha de cabeça na reportagem; não espera por coisa nenhuma; começa logo a disparar, porque as coisas podem não voltar a acontecer. Daqui a cem anos, as árvores e o céu e a relva continuarão por aí para os fotógrafos paisagistas; mas um instante basta para deixar fugir a sete pés um acontecimento importante que nunca mais se voltará a apanhar…” — o próprio Bert Hardy, ao fazer as suas reportagens, leva lâmpadas sobrevoltadas para substituir as da iluminação comum das salas em que se passam as coisas. A “Naked City” de Weegee foi toda obtida com flash. O fotógrafo também nisto se aproxima do realizador de cinema, encenando como Smith, utilizando os seus processos luminosos próprios, mais ou menos realistas, como Hardy ou Weegee. Não nos custa a acreditar que até os defensores mais convictos da candid camera não sucumbam à tentação de aqui e além “dirigir” um pouco os seus modelos e retocar certas situações, quanto mais não seja por amor à verosimilhança, atributo nem sempre implícito na verdade. Quanto ao flash, bem pode Smith insistir, talvez com alguma razão mas sobretudo com muito espírito de contradição; mantem-se o facto de que não lhe conhecemos nenhuma foto feita com ele. E a reportagem de Weegee sobre New York é dura, cruel e desprovida de qualquer ternura humana. O flash é impessoal e impiedoso.
— Candeeiro numa rua do Bairro Alto: Leica com Elmar 50 mm, 1/2 segundo a f.6.3, “Record” Agfa. (Já estava mais de metade do livro impresso quando a Agfa lançou este filme, que não quisemos deixar de ensaiar.)


22. Independência e responsabilidade de uma edição autoral, na esteira de Elia Kazan (Páginas 150, 151 e 152);

Não hesitámos um único instante quanto à inclusão destas fotografias, contràriamente ao que faria o editor vulgar. Também há vantagens nisto de sermos os nossos próprios editores, e não dependermos do imprimatur dum supervisor comercial, com o seu constante receio do que “pode não agradar ao público”. Não que nutramos qualquer espécie de despreso pela audiência. Muito pelo contrário, temo-la sempre presente; e nada mais longe da nossa intenção do que o fazer um livro esotérico. Se nos congratulamos com a nossa independência, se achamos útil o termos podido ignorar a atitude convencional do produtor, é porque sabemos, como Elia Kazan, que “os produtores julgam o público muito por baixo, julgam-no vergonhosamente inferior ao que ele é na realidade. E por isso fazem trabalhos inferiores.” Não vamos ao ponto de exclamar, como Bjorne Henning Jensen: Como se alguém soubesse alguma vez o que o público quer! Como se algum público neste mundo alguma vez soubesse aquilo que quer, antes de tê-lo!”, porque isso já leva a questão para outros sítios; mas confiámos sempre na inteligência e sensibilidade de quem não tem ideias preconcebidas sobre o que “está certo” — ou não — na fotografia. — Podíamos, a respeito destas páginas, falar do impressionismo na pintura; dissertar sobre a verdade visual (que ninguém sabe o que é); explicar (e poucas pessoas se lembram disso) que a lente dum aparelho fotográfico é incapaz de produzir uma imagem objectiva; mas diremos apenas que estas fotografias foram feitas com Leica à luz da rua, à noite, a velocidades lentas, desde o décimo de segundo ao meio segundo. A película (Tri-X) foi sujeita a uma revelação forçada. A gravura, fiel às nossas intenções, reproduz com rigor as provas de ampliação. Em suma: que o leitor nos culpe, e só a nós, do resultado publicado.

23. Visionar a cidade habitada, depois de Irving Penn (Guardas finais do livro);

Fechamos com a panorâmica inicial, elemento que pretendemos mais abstracto por já fora do livro; e fecharemos esquecendo a técnica, que sem dúvida só interessou (se a alguém interessou) aos especialistas, e deve ter impacientado o leitor desprevenido. O livro aí está. Chama-se “Lisboa”, mas é o retrato de homens, mulheres, crianças que nela habitam, traçado por dois homens que nela nasceram e vivem. Visão parcial? Evidentemente. Incompleta, tendenciosa? Pois claro. Não tivemos a ambição de fazer um documentário total. Um soneto pode dizer mais do que um poema épico, um hai-kai mais do que um soneto; um romance passado em Dublin num só dia pode explicar melhor o homem do que uma História Universal. O documento em si pouco interessava; para isso ficam os jornais, as revistas, os arquivos. Deixem-nos terminar com uma última citação, esta de Irving Penn, que nunca acharemos demais repetir: “… O fotógrafo moderno encara com respeito o facto de um número da LIFE ser visto por vinte e quatro milhões de pessoas. Torna-se óbvio que nunca, na história da humanidade, foi possível a alguém que se exprimisse por meios visuais comunicar com tão largo público. Ele sabe que na nossa época é ao fotógrafo que cabe registar da forma mais viva a existência do homem. […] Qualquer que seja o veículo escolhido, para o fotógrafo moderno o produto final do seu esforço é a página impressa, não a prova fotográfica. […] O fotógrafo moderno não pensa na fotografia como uma forma artística, nem na sua prova final como um objecto de arte. Mas, de vez em quando, neste meio de criação como em todos os meios de criação, alguns de entre os que o praticam são artistas. Na fotografia moderna tudo o que é arte é-o como subproduto dum trabalho sério e útil, feito com honestidade e amor.”

Este levantamento de referências a partir do Índice do livro foi o guião da pesquisa a efectuar no International Center of Photography (a conhecida escola de fotografia novaiorquina ICP). A sua biblioteca foi fundada por Cornell Capa, que vimos citado no Índice, dispondo de um acervo inagualável dos mais importantes Álbuns fotográficos publicados no decorrer do século XX, com destaque para um conjunto muito significativo de publicações cujos autores constituem referências tutelares citadas na “Lisboa” de Victor Palla e Costa Martins. Foi aliás no ICP que encontrei com enorme surpresa um exemplar em óptimo estado da nossa “Lisboa”, enviado por António Sena logo após a realização da exposição “Lisboa e Tejo e Tudo”, que em 1982 retirou o projecto do esquecimento e inaugurou a pioneira Galeria Ether.

Para além dos já citados no Índice, como Brassai (autor de Paris de Nuit, com Paul Morand em 1933), Weegee (e a sua Naked City de 1945), de Robert Doisneau (com Blaise Cendrars, em La Banlieue de Paris, de 1949) e de Henri Cartier-Bresson (com o seu Momento Decisivo de 1952), e que constituem influências assumidas por Victor Palla e Costa Martins, destacam-se ainda outras referências de ordem conjuntural, como o impressionante livro de William Klein sobre a cidade de Nova Iorque (Life is good and good for you in New York) e o não menos fulgurante Love on the left bank de Ed Van der Elsken, ambos editados em 1956, data de arranque do projecto de Victor Palla e Costa Martins. Os Americanos de Robert Frank, com a sua visão deceptiva da sociedade americana, seria um álbum primeiro publicado em Paris, em 1958, e só um ano de depois na América, dada a dificuldade em encontrar um editor que o perfilhasse, à semelhança do que acontecera em ’56 com o livro de Klein.

Mas não esquecemos a pista pioneira de António Sena, que filia o livro-exposição dedicado a “Lisboa” no emblemático livro-exposição que Edward Steichen realizou para o Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque em 1955.

"The Family of Man" de Edward Steichen (MoMA, Nova Iorque, 1955)

Sabemos por António Sena, na sua incontornável História da Imagem Fotográfica em Portugal, que a exposição "The Family of Man" (em português, A Família do Homem), organizada em 1955 pelo fotógrafo Edward Steichen enquanto director do Departamento de Fotografia do MoMA de Nova Iorque, não chegou a vir a Portugal, mas o seu convite-programa foi publicado na revista Fotografia - em Março de 1954 e o respectivo filme-documentário divulgado pela embaixada americana nalguns Clubes.

Já o livro-catálogo teve alguma projecção, merecendo por parte do Boletim do Grupo Câmara um comentário depreciativo e, por isso mesmo, elucidativo das opções estéticas vigentes no domínio da fotografia, ao defender que nele se abordava "o valor humano em prejuízo do artístico".

Esta pista de António Sena motivou a concentração da pesquisa no Arquivo do MoMA, onde se encontram nada menos do que 5 caixas repletas de documentação sobre a itinerância da “Family of Man” durante 4 anos pelos vários continentes. 503 fotografias por 273 fotógrafos de 68 países, (como Ed Van der Elsken), seleccionadas por Edward Steichen com a assistência do fotógrafo Wayne Miller, que como já vimos é também citado por Victor Palla e Costa Martins no Índice de “Lisboa”.

E são bem visíveis os vários pontos de contacto entre o projecto editorial e expositivo de Steichen em 1955 e o de Victor Palla/Costa Martins, em 1956-59. Desde logo na montagem dinâmica das imagens no espaço expositivo, variadas no formato e na disposição, criando um percurso desnivelado; até à articulação entre as fotografias e os trechos literários na paginação em livro.

O "poema gráfico" de Victor Palla e Costa Martins, termo empregue pelos próprios autores pela composição poética das imagens, constitui, também ele no seu conjunto um excelente reflexo de uma viragem paradigmática no entendimento moderno, mais humanista, da Cidade. É uma exortação visual, também de imaginários, apoiada numa compreensão mais sensível das necessidades sociais que os projectos urbanísticos devem contemplar. Na sua dupla vertente expositiva e editorial é um projecto que renova a visão da cidade de Lisboa através de imagens, tanto fotográficas quanto poéticas.

Colaborações arquitectos / fotógrafos: Alison e Peter Smithson, com Nigel Henderson:
- Grelhas do CIAM, Congresso Internacional dos Arquitectos (1953)
- "The Parallel of Life and Art", exposição apresentada no ICA, Londres (1953)
- "This is Tomorrow", exposição apresentada na Whitechapel Art Gallery, Londres (1956)


Outras ligações surgiriam de convergência mais formal mas igualmente contemporâneas do projecto, como é o caso paradigmático da colaboração britânica dos arquitectos Alison e Peter Smithson com o fotógrafo Nigel Henderson, tal como me chamou a atenção o arquitecto português João Francisco Figueira, a quem muito agradeço esta fértil correspondência interdisciplinar.

Alinhando numa primeira fase de contestação europeia da imagem industrializada, de âmago racionalista, no âmbito da reconstrução do pós-guerra, parte da geração de arquitectos contemporâneos de Victor Palla e Costa Martins consubstancia a atitude conciliatória da aplicação da Carta de Atenas e da arquitectura internacional, com a mais profunda tradição da arquitectura rural.

Será, por isso, oportuno aprofundar posteriormente a influência dos Congressos Nacionais de Arquitectura em finais dos anos 40, do “Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa” - conduzido pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos entre 1955 e 1960, e do papel que a revista Arquitectura passa a desempenhar sob nova direcção desde 1956 (ano de arranque do projecto “Lisboa, Cidade Triste e Alegre”).

Em território internacional estávamos precisamente num contexto de abertura dos Congrès Internationaux d'Architecture Moderne (conhecidos pelas siglas CIAM,) à contribuição crítica dos países periféricos, como o Brasil. Esses países periféricos ganham uma importância cultural moderadora e participam gradualmente na contestação à ortodoxia dos referidos Congressos e respectivas grelhas de catalogação e análise arquitectónicas.

A crescente credibilidade das ciências sociais na compreensão das assimetrias e desigualdades de ordem também cultural, económica e institucional, nomeadamente ao nível da sociologia da arquitectura, passa a constituir um importante incentivo à aplicação de métodos sistemáticos e equipas interdisciplinares, como é o caso do triângulo de colaborações entre os arquitectos Alison e Peter Smithson e o fotógrafo Nigel Henderson.

Reavaliado apenas na "Documenta X" de Kassel (Alemanha, 1997) enquanto uma das figuras mais importantes da cena artística inglesa do pós-guerra, Henderson esteve activamente envolvido com o londrino Institute of Contemporary Arts (ICA) durante toda a década de 1950, nomeadamente através da sua associação ao polémico "Independent Group" que conhecemos associado ao nascimento da Pop Arte britânica.

Henderson mudara-se ainda em 1945 para a área londrina de Bethnal Green/East End, juntamente com a sua primeira mulher - Judith Henderson (com formação em antropologia), e aí começara a fotografar diariamente o ambiente proletário de extrema pobreza com que se confrontara ao passar a habitar naquela zona por dificuldades económicas sentidas naquele período. Mas as imagens que formam o corpus dedicado a East End, captadas entre 1949 e 1953, não nos devolvem a miséria da classe operária, nem invadem os interiores das suas habitações degradadas, antes celebram a energia irreprimível do quotidiano das suas ruas, a permanência vital das suas rotinas, dando particular destaque aos jogos das crianças, sem nunca ultrapassar as fronteiras do espaço público.

É Henderson quem leva o casal Smithson, que conhecera em 1951 através do seu amigo e artista Eduardo Paolozzi, a percorrer o bairro, partilhando uma visão idiossincrática das ruas, atestando a vitalidade e autonomia de uma comunidade socialmente coesa, provocando, em última instância, o descrédito do planeamento urbano do pós-guerra, mostrando como este favorecia principalmente as necessidades e exigências da indústria e do comércio, em detrimento das individuais ou comunitárias. A "rua" como extensão da casa (onde as crianças aprendem pela primeira vez afastadas da família), como microcosmos urbano, passa a ser o conceito basilar do planeamento preconizado pelos Smithsons. Convictos da necessidade de criar equivalentes modernos da vida em comunidade encontrada em East End, elaboram uma grelha conceptual dividida em secções interrelacionáveis que, por sua vez, incorporavam uma significativa selecção das fotografias de Henderson. Mais do que ilustrações, essas imagens funcionavam como instrumentos para repensar os modos de vida urbana.

Foi essa a famosa grelha - a "Grelha CIAM" - que configurou a nova filosofia dos Smithsons no conturbado CIAM 9 (Congrès Internationaux d'Architecture Moderne, 1953), apresentada no evento tutelar de Le Corbusier e Gropius como um manifesto visual de combate à ortodoxia vigente nos programas de habitação e planeamento urbano europeu. A Grelha CIAM revalorizava as relações existentes entre a casa, a rua e o bairro, entendendo-os como partes de um todo capaz de definir colectivamente a experiência individual de viver na cidade. Influenciando radicalmente toda uma geração de arquitectos, projectistas e teóricos sociais, o CIAM de 1953 ficaria como o momento-chave da fragmentação da arquitectura Moderna heróica.

É também em 1953 que Henderson, juntamente com Paolozzi, os Smithson e Ronald Jenkins, organiza a exposição "Parallel of Life and Art" (no ICA), reunindo 122 painéis compostos por imagens reproduzidas segundo diversos processos fotográficos e provenientes de um amplo leque de contextos disciplinares. Exibiam-se num mesmo nivelamento imagético fotografias de jornal, raios-x, vistas aéreas geológicas, etc, alternando tamanhos e formatos suspensos do tecto, como modo de questionar o reconhecimento do estatuto artístico no seio das diferentes práticas viabilizadas pelo médium fotográfico.

Também sintomática desse desejo de fundir universos tangenciais, a emblemática mostra que Theo Crosby organiza pouco depois na Whitechapel Art Gallery (Londres, 1956), sob a designação progressista "This is Tomorrow", responde à separação profissional entre Arte/Arquitectura com 12 ambientes (environments) criados, cada um, por um grupo de artistas e arquitectos que partilhavam interesses e ideias. Uma vez mais, as cumplicidades visionárias de Henderson, Paolozzi e os Smithsons permitiriam a concertação de uma estratégia criadora que, neste caso, daria origem à instalação "Patio & Pavilion", sob a designação autoral colectiva de "Grupo 6" (Group 6).Trata-se de uma espécie de abrigo construído em madeira, de aparência atemporal, que contrasta de modo irónico com a ideia de futuro contida no próprio título da exposição. Como os próprios Smithsons viriam a assumir nesse mesmo ano, num programa para a BBC, propunha-se um habitat simbólico, cheio de inconsistências e aparências, mas cheio de vida. Como o eram, afinal, dizemos nós agora, as imagens de Henderson sobre East End e de Victor Palla e Costa Martins sobre Lisboa.

Curiosamente, a ideia da exposição "This is Tomorrow" surgira de Paris, mais propriamente do Group Espace, que assim pensara assegurar a realização de uma exposição congénere à sua além fronteiras. Não obstante a demarcação que Peter Smithson viria a reafirmar anos mais tarde relativamente à filiação da exposição de 1956 na proposta francesa, sabemos que um dos membros desse grupo parisiense - André Bloch -, foi também director da revista "Architecture d'Aujourd'hui", revista essa que era das poucas que chegavam a Portugal através de assinatura, juntamente com a mais célebre Life.

pesquisa São Paulo/Rio de Janeiro

A história da fotografia no Brasil remonta à chegada do daguerreótipo ao Rio de Janeiro e ao francês Hercule Florence, actualmente apontado por muitos historiadores como o primeiro inventor daquele que é o factor de distinção da técnica fotográfica: a capacidade de fixar imagens. Por isso mesmo o início desta pesquisa em torno da fotografia começou também num local particularmente simbólico para o estudo da imagem fotográfica.

Essa feliz coincidência deve-se essencialmente a uma pista de pesquisa bastante mais circunstancial que as restantes (relativas a Londres e Nova Iorque), se veio a revelar como uma das mais surpreendentes de todas. Refiro-me à “ponte” de influências e contactos entre o Brasil e Portugal que a Bienal de São Paulo ajudou a restabelecer logo desde o princípio da década de 1950, proporcionando um contacto muito significativo, entre artistas plásticos, arquitectos e escritores, e outros “agentes” culturais internacionais.

No meu plano inicial essa ligação foi intuída a partir da figura de Geraldo de Barros (1923-1998), e da sua prática fotográfica no contexto das artes plásticas e do design, da qual tomei conhecimento através de um documentário exibido em 2003 na Culturgest. O entendimento da “fotografia como design”, citando as palavras de Geraldo de Barros, levou-me a aproximá-lo do carácter multifacetado de Victor Palla, em especial da sua vocação e paixão pelo grafismo e pela produção de livros. Mas após a devida pesquisa “in loco”, com a respectiva consulta da obra fotográfica reunida em publicações ou disponível em galerias como a Brito Cimino (São Paulo), constatei que há de facto uma sintonia ao nível das ideias mas não dos resultados.

Prosseguindo o estudo da história da fotografia no Brasil foram encontrados muitos outros nomes em cuja obra é possível verificar correspondências ao nível teórico, e mesmo ao nível técnico, com o tipo de sensibilidade veiculada pelas imagens de Victor Palla e de Costa Martins, como nalgumas fotografias de Thomaz Farkas (n. 1924) e até de José Oiticica Filho (1906-1964). Mas essas correspondências são, na maior parte dos casos, pontuais e devem-se em grande parte à comunhão de influências entre os fotógrafos daquele período, tanto no Brasil quanto em Portugal, principalmente através da revista “Life”.

Tal constatação foi essencial para uma delimitação efectiva das fontes de informação ao longo desta pesquisa. Aliás, constituiu a viragem para uma concentração efectiva em projectos que tivessem as características mais estruturais da “Lisboa” de Victor Palla e de Costa Martins, das quais salientamos as seguintes:

1. ser o produto de uma cronologia que tem por eixo principal a década de 1950, com todas as condicionantes políticas, sociais, económicas e institucionais que marcaram esse período, tanto na Europa como nas diferentes “Américas”;
2. o facto de se tratar de um livro concebido graficamente, onde a fotografia e a escrita (seja poesia ou prosa) convocam imagens necessariamente subjectivas da realidade que constitui o seu referente.
3. a dimensão autoral do projecto, desde logo assumida e salvaguardada pela existência de um texto reflexivo pela mão dos próprios autores;
4. o enfoque numa cidade enquanto circunscrição física e simbólica, revelada a partir de uma experiência interiorizada (vivencial), num novo entendimento da condição urbana;

Daí o meu interesse pelos projectos editoriais de fotógrafos como Jean Manzon (1915-1990), Flávio Damm (1928), Pierre Verger (1902-1996) e Marcel Gautherot (1910-1996), apesar da sua importância ser habitualmente reconhecida no domínio da reportagem fotográfica, destacando-se a valorização da imagem enquanto elemento activo de um discurso necessariamente subjectivo.

A estas “características” somar-se-iam, conforme o caso em comparação, os próprios perfis dos autores, uma vez que quando Victor Palla e Costa Martins se dedicaram de um modo mais sistemático ao projecto “Lisboa” (ou seja, a partir de 1956), tinham já concluído a sua formação em arquitectura e inclusive realizado os seus primeiros projectos arquitectónicos na capital lisboeta. Mas para além da formação e ofício em arquitectura, que certamente influenciou a sua visão sobre a cidade, gostaria de destacar ainda outros aspectos do percurso de ambos os autores, que levaram ocasionalmente à delimitação de outros fotógrafos a estudar no âmbito desta pesquisa. Designadamente: a intervenção activa em eventos relacionados com artes plásticas, o interesse pelas artes gráficas e pelo design de equipamentos e a proximidade com o universo do cinema.

Perante tais balizas temporais e temáticas, os principais projectos que parecem elucidar as motivações conjunturais da “Lisboa” de Victor Palla e Costa Martins, motivando um estudo comparativo no futuro, são:

- Flagrantes do Brasil (1950), fotografias de Jean Manzon com textos do próprio e ainda de Portinari, Rachel Queiroz, entre outros autores consoante as edições.
- E a Obra Getuliana (1940-1950), org. por Gustavo Capanema e concebida como álbum comemorativo do governo de Getúlio Vargas, mas nunca publicada.
A selecção de dois projectos tão distintos, o primeiro de clara iniciativa autoral apartidária, o segundo no espírito de uma celebração propagandística de regime, serve a estratégia de contraponto que também se pretende ao nível do contexto português, de modo a valorizar com maior clareza a relevância e singularidade dos projectos fotográficos autorais em análise. Tal selecção resultou de uma procura sistemática nas diferentes instituições consultadas na cidade de São Paulo (sobretudo no Arquivo Histórico da Fundação da Bienal, no Museu da Imagem e do Som e na Biblioteca Geral da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da USP), mas também no Rio de Janeiro, onde se encontra sediada a Biblioteca Nacional, e onde foram ainda consultados o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, a Fundação Getúlio Vargas e o Instituto Moreira Salles.

Tive ainda a possibilidade de confirmar o diálogo existente entre arquitectos portugueses e brasileiros, nomeadamente através de Viana de Lima, recordado como um interlocutor influente pelo próprio arquitecto Óscar Niemeyer, figura tutelar, como se sabe, das décadas em foco.

Em São Paulo pude também conhecer pessoalmente o fotógrafo Hans Günther Flieg (activo desde a década de 1940 e particularmente conhecido por documentar a obra arquitectónica de Lina Bo Bardi), sendo ainda um exemplo dos arquitectos daquela geração que viu e foi profundamente influenciado pela exposição “The Family of Man” aquando da sua apresentação no Brasil. Sendo esta exposição uma das ‘pontes’ conjunturais desta pesquisa, confirmou-se desde logo o sentido da sua triangulação geográficano eixo Atlântico.

A passagem pelo Brasil em Setembro teve um efeito igualmente convergente no que diz respeito à relação entre o humanismo fotográfico do pós-guerra e um novo entendimento do planeamento urbano, fui levada a voltar a minha atenção para uma bibliografia mais atenta à própria história da arquitectura e também do design em Portugal. Nesse sentido, cumpre destacar a emergência de uma outra linha de pesquisa a aprofundar oportunamente, e que diz respeito ao “Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa”, levado a cabo pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos, para além dos Congressos Nacionais de Arquitectura em finais dos anos 40, e do papel que a revista Arquitectura passa a desempenhar sob nova direcção desde 1956 (ano que António Sena refere como arranque do projecto “Lisboa, Cidade Triste e Alegre”).

resultados da pesquisa

Estão assim enquadrados os três itinerários internacionais da pesquisa:
- em São Paulo: a influência humanista via arquitectura brasileira, através da Bienal de S. Paulo, e a semelhança entre projectos fotográficos cujas referências de base são herdadas da revista “Life”;
- em Londres: a sintonia entre arquitectos e fotográficos numa visão renovada da cidade no contexto do pós-guerra;
- em Nova Iorque: as referências tutelares, assumindas pelos próprios autores no Índice do livro e outras pistas conjunturais, avançadas por António Sena.

Recordo que a pesquisa em São Paulo e no Rio de Janeiro foi essencial para perceber o contexto arquitectónico da época, fornecendo também modelos de análise dos álbuns fotográficos de então, enquanto instrumentos de constituição de identidades urbanas pela imagem. A documentação consultada logo depois em Londres permitiu clarificar ainda mais o uso da imagem fotográfica no processo de concepção, planeamento e renovação urbanísticos, nomeadamente através do estudo em torno da colaboração dos arquitectos Peter e Alison Smithson com o fotógrafo Nigel Henderson.

Foi exactamente em Londres, por iniciativa do fotógrafo Martin Parr, que saiu entretanto o primeiro grande livro de fotografia dedicado à produção internacional de álbuns fotográficos e onde a “Lisboa” de Victor Palla e Costa Martins é finalmente incorporada ao lado dos livros seminais da história de fotografia (Cf. PARR, Martin e Badger, Gerry — The Photobook: A History, Volume 1, Londres: Phaidon, 2004).

Nova Iorque fechou assim a triangulação internacional que serve de ancoragem ao presente estudo. E bastará rever os principais fotógrafos e cineastas citados por Victor Palla e Costa Martins — na sua maioria norte-americanos ou com ligação a Nova Iorque (designadamente, através da revista “Life”) — para perceber a importância estrutural que esta cidade desempenha no reequacionamento da “Lisboa” de onde partimos.

Foi, aliás, durante a preparação desta etapa, que tive o primeiro encontro com o jovem fotógrafo Luís Camanho numa partilha de conhecimentos que se revelou particularmente enriquecedora no âmbito desta pesquisa a desenvolver. Camanho fez a sua tese de licenciatura em Comunicação Social no Instituto Politécnico de Coimbra, debruçando-se sobre o livro de Victor Palla e Costa Martins e entrou em contacto comigo, através do blog que elaborei em torno da pesquisa (www.imagensdacidade.blogspot.com), no sentido de dar a conhecer o seu projecto de realização de um documentário em torno da “Lisboa, Cidade Triste e Alegre”. Esse será o documentário que veremos ainda hoje, primeiro em excertos comentados por Luís Camanho e, logo às 21h00, num visionamento integral e que contará com a presença dos entrevistados.

© Lúcia Marques
Lisboa, 23 de Maio de 2005

ÚLTIMAS NOVIDADES SOBRE A "LISBOA" DE COSTA MARTINS E VICTOR PALLA!!!
*NA GULBENKIAN: DE 23 A 27 DE MAIO DE 2005*


[Para mais informações é favor contactar o CAM/FCG: cam-seducacao@gulbenkian.pt]

CURSO TEÓRICO DO CAM:
— As imagens da Cidade: ligações entre Fotografia, Cinema, Literatura, e Urbanismo


Local: Sala 3 da Fundação Calouste Gulbenkian (Edif. Sede)
Datas: 23, 24, 25, 26 e 27 de Maio de 2005.
Organização: Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAM-JAP)
Coordenação do seminário de pesquisa: Lúcia Marques
Investigadores convidados: Luís Camanho, Ana Tostões, Emília Tavares, Joana Ascensão, Ana Soares, Margarida Medeiros, Vanda Gorjão, Sérgio Mah, Pedro Bandeira.

Objecto, metodologia e objectivos

De que modo se constitui a nossa imagem de Cidade? O seminário toma como ponto de partida o livro-exposição “Lisboa, Cidade Triste e Alegre” (1958-59) de Victor Palla e de Costa Martins, enquanto estudo de caso da produção fotográfica no contexto do pós-guerra, para debater a formação de identidades urbanas através da imagem.

É neste sentido que se convidaram investigadores com diferentes formações e abordagens metodológicas a intervir ao longo do seminário, de modo a reunir um conjunto diversificado e complementar de práticas e teorias da imagem, nomeadamente nos domínios da fotografia, cinema, literatura e urbanismo.

O seminário é estruturado por 5 sessões, cada uma com 2 horas de duração e com a participação de dois investigadores por aula. Cada sessão é composta por duas apresentações individuais da temática em estudo, durante cerca de 30 minutos cada, seguida de um breve debate entre cada dupla de investigadores.

O principal objectivo do seminário é proporcionar o encontro entre investigadores com áreas de interesse e especialização correlacionadas com o tema em estudo, estimulando a discussão em torno das diferentes fontes e métodos adoptados na pesquisa de um objecto comum.

Procurar-se-á conjugar as datas de realização do seminário com o programa da próxima “LisboaPhoto”, novamente comissariada por Sérgio Mah, prevendo-se ainda a articulação desta iniciativa com uma pequena mostra de 11 fotografias de Victor Palla (pertencentes à Colecção do CAM-JAP), na sala de exposições rotativas do próprio CAM-JAP.

Público alvo
Investigadores e estudantes com formação e/ou especialização no domínio das ciências sociais e humanas, e profissionais das diversas disciplinas que enquadram o tema em análise.

Agenda

Agenda das intervenções


23 de Maio | segunda-feira, das 18h30 às 20h30

— A construção fotográfica da imagem da cidade a partir da “Lisboa” de Victor Palla e Costa Martins, por Lúcia Marques

Serão apresentados os resultados da pesquisa desenvolvida em Lisboa, Londres, São Paulo e Nova Iorque, com uma Bolsa de Estudo da Gulbenkian, tomando a “Lisboa, Cidade Triste e Alegre” (1959) de Victor Palla e Costa Martins como um estudo de caso a partir do qual se problematiza o modo como a fotografia constitui a imagem da cidade no contexto internacional do pós-guerra. A apresentação concentrar-se-á nas ligações entre o livro-exposição “Lisboa” e outros álbuns fotográficos seus contemporâneos, explorando influências conjunturais quer no domínio da imagem fotográfica, quer no entendimento da própria cidade. Abordar-se-á a metodologia seguida na investigação, comentando-se também o material e respectivas condições de pesquisa disponíveis nos diversos centros de documentação consultados.

Nota Biográfica
Nasceu em Lisboa em 1974 e formou-se em História, variante História da Arte, frequentando depois o ano curricular do Mestrado em Ciências da Comunicação. Foi crítica de arte no Expresso de 1998 a 2001, altura em que integra o Instituto de Arte Contemporânea (actual Instituto das Artes) como técnica do Gabinete de Artes Visuais. Leccionou no CAMJAP-FCG o curso “História da Fotografia em Portugal (sécs. XIX e XX)”, assegurando na pós-graduação em “Estudos de Fotografia” do IADE o módulo dedicado à “Fotografia Portuguesa: Instituições e Práticas Artísticas”. Em 2003-2004 realizou um estudo comparativo a nível internacional em torno da “Lisboa” de Victor Palla e Costa Martins com uma Bolsa de Especialização e Valorização Profissional do Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian.


— Onde páras “Lisboa, cidade triste e alegre”?, por Luís Camanho

A apresentação comentará o filme-documentário sobre o projecto “Lisboa, cidade triste e alegre” de Costa Martins e Victor Palla, realizado pelo próprio e em estreia absoluta neste curso*. Trata-se de um filme-documentário que tenta um retrato sobre o exercício editorial “Lisboa, cidade triste e alegre” de Victor Palla e Costa Martins realizado no Portugal da década de 1950. Recheado de testemunhos inéditos que atravessam várias gerações e se interrelacionam de forma a construir uma visão multidisciplinar tanto da obra como dos próprios autores.

Nota Biográfica
Nasceu no Porto em 1977. É bacharel em Tecnologias da Comunicação Audiovisual e licenciado em Comunicação Social. Em 1999-2000 realiza 3 curtas-metragens, o projecto foto-documental “A Escola da Lomba” e assina a Direcção de Fotografia de uma curta-metragem de Margarida Quintas. De 2001 a 2004 lecciona as disciplinas de Vídeo e Fotografia no ensino secundário tecnológico e em 2003 escreve uma monografia sobre “Lisboa, cidade triste e alegre” de Costa Martins e Victor Palla.


*23 de Maio | segunda-feira, das 21h00 às 21h30, Edif. Sede da FCG

— Visionamento do documentário “Lisboa, cidade triste e alegre”, realizado por Luís Camanho

É no âmbito do curso teórico “As Imagens da Cidade: ligações entre Fotografia, Cinema, Literatura e Urbanismo” que assistiremos à estreia absoluta do filme-documentário recentemente realizado pelo jovem fotógrafo Luís Camanho em torno do projecto fotográfico Lisboa, cidade triste e alegre (1959/1982), de Costa Martins e Victor Palla.
A sua exibição terá lugar na Fundação Calouste Gulbenkian no próximo dia 23 de Maio de 2005, às 21h00, e é reservada aos alunos inscritos no curso, respectivos formadores, equipa técnica e de produção envolvidas neste projecto e ilustres entrevistados.
Luís Camanho (Porto, 1977) é bacharel em Tecnologias da Comunicação Audiovisual e licenciado em Comunicação Social. Realizou, entre 1999 e 2000, três curtas-metragens, o projecto foto-documental “A Escola da Lomba” e assinou a Direcção de Fotografia de uma curta-metragem de Margarida Quintas. Leccionou depois as disciplinas de Vídeo e Fotografia no ensino secundário tecnológico e, em 2003, escreveu uma monografia sobre a Lisboa, cidade triste e alegre de Costa Martins e Victor Palla.
Segundo o autor, este filme-documentário “tenta um retrato sobre o exercício editorial Lisboa, cidade triste e alegre de Victor Palla e Costa Martins realizado no Portugal da década de 1950” e acrescenta tratar-se de uma abordagem “recheada de testemunhos inéditos que atravessam várias gerações e se interrelacionam de modo a construir uma visão multidisciplinar tanto da obra como dos próprios autores”.

Destacam-se, a título de exemplo, os testemunhos recolhidos junto dos próprios familiares (como Jorge Costa Martins e João Palla), dos fotógrafos e cineastas seus contemporâneos (de Jorge Guerra a Fernando Lopes), bem como de outras personalidades directa ou indirectamente envolvidas no projecto fotográfico e na sua difusão (tais como, José Borrêgo, José Soudo e Margarida Gil), para além de muitas outras figuras de reconhecido mérito (como Nuno Teotónio Pereira, Manuel Costa Cabral, Jorge Molder, Teresa Siza, João Mário Grilo, Dália Dias, Manuel Valente Alves, entre outros) que pela sua história pessoal ou desempenho profissional se revelaram num valioso contributo na aferição da singularidade do projecto de Costa Martins e Victor Palla.

A banda sonora é assinada pelo Sexteto de Jazz, composto por Joel Silva, João Correia, Demian Cabaud, Zé Pedro Coelho, Luís Eurico Costa e Diogo Vida, que toca variações sobre o tema “Outra Lisboa” , tema esse composto por Diogo Vida a partir das imagens do próprio livro Lisboa, cidade triste e alegre.


Filme-documentário: “Lisboa, cidade triste e alegre”
(DVCAM, Cor, 2005)
Realizador: Luís Camanho
Produtor: João Abrunhosa | Esfera Cúbica Audiovisual e Multimédia Lda.




24 de Maio | terça-feira, das 18h30 às 20h30

— Os Verdes Anos 50 na arquitectura e na cidade, por Ana Tostões

A situação de pós-guerra conformou a ruptura moderna e a contestação ao regime no contexto do Congresso heróico de 1948. Os arquitectos passam a reivindicar a adopção dos princípios da Arquitectura do Movimento Moderno e sobretudo a reclamar a intervenção a uma outra dimensão que não a do objecto isolado, isto é, a da escala da cidade. A nova revista Arquitectura e as organizações de arquitectos (ODAM,ICAT e MRAR) revelam uma nova classe consciente da sua missão social.

Nota Biográfica
Ana Tostões (Lisboa, 1959) é arquitecta pela ESBAL e mestre em História da Arte pela UNL com a dissertação “Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa dos Anos 50”. É professora e investigadora no IST onde se doutorou com uma tese sobre "Cultura e tecnologia na arquitectura moderna portuguesa". É autora de trabalhos publicados na área da História, teoria e crítica da Arquitectura Contemporânea. Participou em diversos júris, comités científicos e realizou conferências em Portugal, Espanha, Alemanha, Bélgica, Suécia, Finlândia, Estados Unidos, México e Brasil. Comissariou as exposições: “Portugal, Arquitectura do Século XX” (Frankfurt: 1997; Madrid e Lisboa: 1998); “Keil do Amaral, o Arquitecto e o Humanista” (Lisboa: 1998); “Arquitectura e Cidadania: atelier Nuno Teotónio Pereira” (CCB 2004).


— Imagens da capital da Ordem, por Emília Tavares

As imagens da cidade do Estado Novo assentam na retoma da ordem, em contraponto a uma leitura política de caos e a uma vivência urbana de tumulto dos anos republicanos. O desenvolvimento urbanístico assenta na ideia da família, numa topografia que confunde ruas e casas traçadas a régua e esquadro com valores morais igualmente delineados no mesmo rigor e inflexibilidade. A imagem fotográfica da cidade, é a de uma capital, como centro nivelador e exemplar de uma urbanidade saudável porque imbuída dos reflexos da ruralidade que a “política do espírito” tanto prezava. O melancolismo da tradição, a penumbra dos bairros antigos, o Tejo como espelho de uma história marítima, as figuras de um pitoresco sempre recorrente, de que as varinas são o expoente máximo, construíram uma ideologia imagética que esvaziou a cidade de qualquer representação da sua verdadeira realidade social. A partir de então a rua é um cenário, e o repórter dela uma sombra cada dia mais dissimulada, perdendo todo o vigor de uma linguagem visual e informativa que anunciou, nas três primeiras décadas do século XX, a única forma consistente de modernidade da fotografia nacional até ao final da Ditadura.

Nota Biográfica
Conservadora para a área da Fotografia e Vídeo no Museu do Chiado - Museu Nacional de Arte Contemporânea (Lisboa). Mestre em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, tendo realizado um estudo sobre a fotografia em Portugal no período do Estado Novo, através da obra do fotógrafo João Martins, que foi editada pela Mimesis, em 2001. Actualmente encontra-se a comissariar a exposição retrospectiva de Joshua Benoliel, a inaugurar em Maio de 2005, integrada no programa da “LisboaPhoto”, tendo agendada a exposição Fotografia e Propaganda em Portugal no Estado Novo, a apresentar no Museu do Chiado-MNAC, em Março de 2006.




25 de Maio | quarta-feira, das 18h30 às 20h30


— O “efeito-filme” de “Lisboa” de Palla e de Costa Martins, por Joana Ascensão

Considerando que “Lisboa, Cidade Triste e Alegre” evidencia uma forte aproximação ao cinema, nesta apresentação procurar-se-á pensar esta questão em torno de dois eixos: o da afinidade do livro com um modo particular de fazer cinema, e o da sua relação com uma lógica intrinsecamente cinematográfica. Assim, se, por um lado, se analisarão as influências recíprocas entre esta obra e o Cinema Novo que então se começava a fazer em Portugal (Dom Roberto, Belarmino ou Verdes Anos), explorar-se-á também o “cinematismo” inerente ao livro no seu conjunto e ao modo de organização das suas imagens.


Nota Biográfica
Licenciada em Ciências da Comunicação (variantes de Cinema e de Comunicação e Cultura) pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa, onde frequenta actualmente o Mestrado em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias, tendo elegido como domínio de pesquisa as relações entre o cinema e a fotografia. Desenvolve paralelamente, como bolseira do Centro Português de Fotografia, um projecto de investigação sobre a obra fotográfica de Helena Almeida, artista sobre a qual se encontra igualmente a realizar um documentário. Trabalha desde 1998 no Arquivo Fotográfico da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema.



— “Visões literárias das cidades, ou É possível interpretar uma cidade?", por Ana Soares

Pretendo ilustrar uma relação de articulação mútua e simultânea. Por um lado, para mostrar de que modo a vivência nas e o conhecimento das cidades (principalmente, a partir da Revolução Industrial) tem influenciado a criação literária; por outro, como as obras literárias e os processos interpretativos a que as sujeitamos se nutrem dos mesmos mecanismos interpretativos que despoletamos quando pensamos sobre as cidades. Além do principal material teórico, os fragmentos reflexivos e citacionais de Walter Benjamin em , recorrerei a exemplos das literaturas de língua inglesa e portuguesa.


Nota Biográfica
Professora Auxiliar na Fac. de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve. Ensina Literaturas de Língua Inglesa aos alunos de Licenciatura e Literatura e Cinema a mestrandos. Doutorou-se em 2003 na Fac. de Letras de Lisboa com uma tese em Teoria da Literatura, na qual disserta sobre a arte de David Wojnarowicz e tece considerações mais gerais acerca da arte do século XX, a partir de , de Walter Benjamin. Tem participado nos Seminários Intensivos Erasmus da rede de estudos sobre a cidade na Europa e as suas representações.




26 de Maio | quinta-feira, das 18h30 às 20h30


— “Lisboa, cidade triste e alegre” (título provisório), por Margarida Medeiros

O livro “Cidade triste e alegre” é o exemplo de uma abordagem da cidade pela fotografia que reflecte a consciência das possibilidades desta para novas formas de documentalismo. Os seus autores exploram as possibilidades analógicas da fotografia para as contradizer através da utilização de certos desvios (os “erros”, o flou, o tremido, o desfocado, o grão), permitindo-se ainda um jogo transgressor de cruzamento com a poesia. Sublinhar-se-á nesta intervenção a ideia deste livro constituir uma visão da cidade cujo programa se centra no desvio face aos estereótipos dominantes de representação da mesma. Procura-se aqui uma outra cidade, não necessariamente bela, mas que a fotografia institui como tal.
A minha abordagem da obra focará a filiação deste livro, que constitui uma obra ímpar no panorama da história da fotografia portuguesa, numa estética humanista e na street photography bem como a sua inserção na respectiva contemporaneidade a nível internacional.


Nota Biográfica
Nasceu em 1957 e licenciou-se em Filosofia pela Universidade de Coimbra, tendo carreira do Ensino Secundário como professora de Filosofia. É colaboradora do jornal Público, na área da Fotografia, desde 1990. Publicou em 2000 “Fotografia e narcisismo -— o auto-retrato contemporâneo” (ed.Assírio & Alvim), na sequência da sua tese de Mestrado (Universidade Nova de Lisboa). Lecciona actualmente a cadeira de História da Imagem no Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa.


— Um caso de «Fénix Artística»: a obra fotográfica de Victor Palla e Costa Martins, por Vanda Gorjão

De certo modo percursor do aparecimento de um campo autónomo da criação fotográfica no nosso país, ao invocar referências da fotografia estrangeira, das artes plásticas, da arquitectura, do cinema, da poesia, o «Lisboa, Cidade Triste e Alegre» anuncia o registo contemporâneo de permeabilidade da produção fotográfica com outros universos da criação artística. A sua recuperação nos anos 80 coloca questões essenciais para a sociologia da arte: o «horizonte de recepção» da criação; a redescoberta e revalorização de autores pela «manipulação de reportórios do passado»; a construção social da autoria e da obra; a problemática da identidade dos criadores.

Nota Biográfica
Nasceu em 1969. Licenciou-se em sociologia, com especialização em sociologia da cultura e sociologia da arte, áreas em que apresentou a tese «“Não são fotógrafos, são artistas”? Construção do campo da fotografia de arte em Portugal (1980/1990)» (ISCTE, Lisboa, 1996). Fez mestrado em Sociologia Política (ICS, Lisboa, 2000), na sequência do qual publicou o livro Mulheres em Tempos Sombrios: Oposição Feminina ao Estado Novo (1945-1974), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2002. Prepara o doutoramento em Sociologia Política (ISCTE). Trabalhou no Observatório das Actividades Culturais (Ministério da Cultura) e actualmente desenvolve investigação em sociologia da arte, com incidência nos mecanismos e modalidades de produção do valor da obra pelos diversos agentes e criadores culturais e artísticos, e em particular nos discursos acerca da «criação».




27 de Maio | sexta-feira, das 18h30 às 20h30


— “Lisboa, cidade triste e alegre” (título provisório), por Sérgio Mah

A intervenção abordará a “Lisboa, Cidade Triste e Alegre” de Victor Palla e Costa Martins no contexto da fotografia urbana dos anos 50.

Nota Biográfica
Nasceu em Moçambique, em 1970, e vive em Lisboa. É Licenciado em Sociologia e Mestre em Ciências da Comunicação. Actualmente, é docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e no AR.CO - Centro de Arte e Comunicação Visual, Investigador na área da história e teoria da fotografia e Comissário das edições de 2003 e de 2005 da Bienal “LisboaPhoto”.


— “Out-of-Focus”, por Pedro Bandeira

Depois da fotografia heróica que caracterizou o modernismo, depois da fotografia de denúncia e do retrato social associado ao “novo humanismo” pós-guerra, depois da procura da cidade invisível e dos seus gestos quotidianos, a imagem das metrópoles parece agora libertar-se dos seus utentes para dar lugar a uma penumbra “desfocada” – consciência de um retrato impossível que reivindica o regresso à imaginação?


Referências bibliográficas
BARBIERI, Olivo. Notsofareast. 1 ed. Roma: Donzelli Editore; 2002.
BARBIERI, Olivo. Virtual Truths. 1 ed. Milano: Silvana Editoriale; 2001.
BARBIERI, Olivo e ESSER Elger. Cityscapes Landscapes. Milano: Silvana
Editoriale/PPCAC; 2002.
MERILION, Tom . Concrete Dreams. OPICT in Creative Camera. 2000.
PÉTREMAND, Gérard. Topiques. Zurich: Creatio Helvetica; 2001.
RÄDER, Marc. Scanscape. Barcelona: ACTAR; 1999.
RÄDER, Marc e LOOTSMA Bart. Brandlhuber & Kniess +. Köln: Verlag Der
Buchhandlung Walther König; 2003.
SALM, Frank van der. Frank van der Salm. Rotterdam: MK editions; 2005.

Nota Biográfica
Pedro Bandeira (1970), licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1996). Em 2000, concluiu o mestrado Metropolis da Universidad Politècnica de Barcelona (dirigido por Ignasi de Solà-Morales), com a tese “Apenas o Mundo, Hoje, Onde as Revoluções são Impossíveis – da ilusão à desilusão de imaginários de pouca arquitectura entre os anos 60 e 90”. É, desde 1998, docente da disciplina de Projecto, do 4º ano, no Departamento Autónomo de Arquitectura da Universidade do Minho. É co-editor da Revista de Cultura Urbana IN SI(s)TU e da Revista de Cultura Arquitectónica LAURA (DAAUM). Sob orientação do professor Paulo Varela Gomes, encontra-se a desenvolver tese de doutoramento centrada na Representação e Imagem da Arquitectura Contemporânea. Simultaneamente tem dedicado parte da sua actividade de investigador ao desenvolvimento de “projectos para um cliente genérico” (recentemente apresentados na Bienal de Arquitectura de Veneza).

© Lúcia Marques, Maio/2005.